domingo, 8 de agosto de 2010

Reviravolta - Parte 1

de Juliana Rizzuto

Sim, eu tinha plena consciência do que estava fazendo e acredito que ele também. Não era a primeira vez e tão pouco a última, mas por algum motivo aquele ato tinha um significado especial. Talvez por estarmos em um país distante, em uma cidade com padrões culturais tão diferentes dos nossos e que nos fez ficarmos mais juntos, mais íntimos.
Não conseguia raciocinar com as suas mãos firmes e sedentas percorrendo o meu corpo enquanto me mexia acompanhando os movimentos e o ritmo dele. A maciez dos cabelos negros e volumosos, seu sorriso sapeca e seus beijos incessantes me deixavam tão inebriada que era quase insuportável o prazer que sentia.
As luzes de neon que entravam pela janela pareciam curiosas para saberem o que acontecia naquele quarto. Em algum canto da mente algo me dizia: "esse momento é especial, é para isso que viemos para cá".
E do outro lado do mundo, algo assombroso ocorria...
Para chegarmos até aqui, precisamos voltar no tempo, digamos que um período de mais de um ano...

Percalço

São Paulo, mês de março, sexta-feira, 7:30 da manhã.
 
Estava a caminho de uma entrevista com uma senhora autora de romances infantojuvenis que havia ganhado um prêmio especial de literatura. Ela detestava atrasos, por isso, o meu objetivo era chegar antes do horário previsto, algo que Avenida Pacaembu me impedia de fazer. Lotada, não havia muitas alternativas, mas com auxílio de um serviço de uma emissora de rádio, descobri um atalho que facilitava chegar ao meu destino. 
Cruzava a rua com tranquilidade, afinal era a minha preferencial, quando fui pega de surpresa. O meu carro foi arrastado com violência e rapidez. Apenas lembro-me do pânico que senti e do barulho da freada dos pneus e o estrondo. No momento que consegui voltar à realidade fui surpreendida por uma voz masculina que vinha do outro lado da janela do passageiro.
- Você está bem?
A cabeça e o pescoço doíam e um zunido insistia no ouvido. E a voz voltou insistente a perguntar:
- Você está bem?
A minha reação foi voltar a cabeça para janela e aí o vi: um homem de estatura mediana, cabelos negros e lisos, olhos amendoados, mas com uma expressão tensa e assustada como que esperasse que a minha resposta fosse positiva.
- Acredito que sim - respondi.
- Vou chamar o resgate!
- Não precisa! Olha...vou sair do carro e...
- Moça, não se mexa!! Vou chamar o resgate!!
Nesse momento percebi que se reunia vários curiosos. Dava para perceber que ele não era o único que estava com celular ligando para a emergência.
Fui me mexendo aos pouquinhos e parecia que tudo estava em ordem. A dor era provavelmente do estresse e do susto.
Mesmo com toda essa confusão, reparei como ele era bonito. "Poxa", pensei, "acho que não foi tão mal...".
Para a sua surpresa pulei pela porta do passageiro para fora do carro.
- Moça, a senhora não pode ficar se mexendo assim...vai saber se quebrou algum braço.
- Ah, não! Acho que foi mais um susto.
- Olha, realmente não a vi, estou atrasado para reunião com um cliente importante e entrei sem ver.
- Foi o que percebi, disse irônica.
- Moça, eu fui errado na história. Vou pagar os estragos.
- É bom mesmo... caramba, há menos de um mês que comprei o carro!
- Mil desculpas! Olha, vamos fazer um boletim de ocorrência e vou chamar o seguro.
Não sabia muito bem o que responder, mas não tinha outra alternativa.
Na delegacia, ele disse:
- Mil perdões...nunca pensei que fosse prejudicar alguém hoje... poxa... não tenho como se desculpar.
- Bem, essas coisas acontecem. Eu mesmo já cometi deslizes. Uma vez em um dia de chuva, quando voltava de uma entrevista, assustei-me com um motoboy que seguia muito perto do meu carro. Não sei o que me deu, acelerei. Logo à frente, deparei com uma rotatória e não a fiz, acabei me chocando com um veículo de uma mulher que falava ao celular...e o que pior...ainda era aniversário dela.
Ele riu e disse:
- Pelo jeito não sou o único azarado.
- Mas acho que você não reparou um detalhe...
- Qual?, ele disse.
- Acho que má educação  não se apresentar, disse sorrindo timidamente. - Bem, meu nome é Catharina.
- É verdade - respondeu concordando com a cabeça. Ele estendeu a mão e disse: - Prazer, ou melhor, não sei se é um prazer...meu nome é Giovanni.
Conversando, descobri que ele era proprietário de uma editora de revistas de saúde e medicina. O cliente importante era o presidente de uma indústria de medicamentos genéricos.
- Você é jornalista?, perguntei.
- Digamos que sou um jornalista frustado , confessou com um sorriso amarelo – Sou um daqueles exemplos onde toda família é preparada para assumir a empresa criada pelo patrono... e como sou o filho mais velho, sobrou a responsabilidade em minhas costas. Formei-me em Administração, mas na verdade, queria ter cursado Jornalismo.
Conversamos por horas, mas o que importava? O tempo passou mais rápido e óbvio cada um perdeu seu compromisso. Porém, só pelo simples fato da conversa fluir, já era um bom motivo de continuar na companhia dele. 
Com boletim feito, ele entrou em contato com a seguradora. Trocamos os telefones e quando íamos nos despedindo...
- Aceita tomar um café? Comer alguma coisa?
- Não obrigada, disse.
- Por favor, Catharina. Pelo menos me deixe sentir menos culpado.
- Tudo bem, e dei de ombros. Afinal, não tinha mais do que esperar. Só o carro ser consertado.

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