quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Reviravolta - Parte 6

Intemperança

Essa voz... essa voz tão conhecida, e que me trouxe tanta insegurança. Virei lentamente e lá estava ele, parado ao pé da porta da sala onde eu ficava quando que tinha que bater as últimas emendas....
- E te digo mais, você ficado cada vez mais bonita , completou.
- Obrigada, Giovanni ! Tudo bem com você ?, perguntei ríspida.
- Sim, um pouco cansado – disse pensativo com olhar perdido em um quadro que estava atrás de mim. De forma bem imprevisível, ele me encarou e foi direto ao assunto:
- Você está namorando? Percebi que você mudou o seu status.
Não sabia o que falar. Primeiro pensei em responder: "O que você tem a ver com isso? Quando te quis, você correu atrás daquela... daquela vaca! Agora que estou bem, com que direito você tem em tirar a minha paz?". Mas tudo que respondi foi:
- Sim. Sim, estou. E como você tem andando com a Berenice? – tentando disfarçar a raiva na voz.
- Estamos bem. Ela é muito boa.
Fique pensando: "Eu imagino em que...".
- Bem, não quero mais atrapalhar você. Aliás, parte do seu serviço fará que nós possamos sair mais cedo, não?
Quando ele disse, a minha primeira reação era xingá-lo. Mas que adiantava? É lógico que ele queria me provocar. E se eu respondesse, primeiro, com certeza perderia um dos meus frilas. Segundo, quem foi o estúpido da história foi ele e terceiro...bem, deixa pra lá.
A única coisa que respondi foi:
- É verdade. Vou continuar ...
- Bem, até logo.
- Mande lembranças à Berenice, disse em tom irônico.
- Mandarei.
E assim ele fechou a porta. Ainda tremia de raiva por dentro. Afinal, o conteúdo daquela conversa deixou-me tão irritada que tive que buscar um chá. Voltei, respirei fundo e retornei ao meu trabalho.
Soube na mesma semana, que Giovanni tinha ido visitar a irmã na Dinamarca. Mas não sei se tinha levado Berenice junto. Provavelmente, sim. Mas no fundo, no fundo... o que me importava?
Na semana seguinte, Eduardo veio me buscar no mesmo horário como de costume. Fomos em um restaurante italiano, no Bexiga, e conversamos por horas, tudo acompanhado por um bom vinho.
De repente:
- Posso te perguntar uma coisa?
- Lógico.
- Tenho uma reportagem para realizar e gostaria que você fosse comigo. Você topa?
Antes que perguntasse alguma coisa, ele completou:
- É bem longe...
- Longe ? Como assim?, perguntei.
- Hum...é em outro país.
- Caramba! Qual?
- Adivinha, desafiou sorrindo.
- Sei lá. Argentina?
Ele só balançou a cabeça negando.
- É mais longe?
- É, respondeu dando aquele sorriso como tivesse aprontando algo.
- Estados Unidos?
- Hum...passou longe.
- Poxa. Algum país da Europa?
- Ih, tá morno ainda...
- Fala logo, Du!
Ele riu e disse:
- Sabe que é? Fui escolhido para fazer uma reportagem sobre as indústrias automobilísticas japonesas que estão tendo lucros absurdos. E lógico, se são indústrias japonesas...
- Então é no Japão?, falei rapidamente nem deixando que ele completasse o resto da frase.
- Muito bem, garota, acertou!, respondeu sorrindo enquanto levava a taça de vinho à boca.
- Topo! Quando?
- Olha acho que daqui a um mês no máximo, é que preciso acertar os detalhes dos passaportes, os contatos. Bem, eles adoram marcar tudo com muito antecedência.
- Oba, Japão!!!, gritei feliz.
Na segunda, conversei com a Patrícia, a editora-chefe da revista de cultura, que trabalhava como freelancer fixa.
- Caramba, Cathe! Será que dá para fazer alguma matéria lá? Mas você não vai demorar, né?
- Não. Acho que no máximo será uns 15 dias a um mês. Nossa, Patrícia, se ficar complicado...
- Hum..- pensativa, ela continuou- dá para esperar.
- Por que, Patrícia?
- Gostaria que você assumisse o cargo de editora assistente. Assim a prepararia por uns 2 meses, aí eu tiraria as minhas férias merecidas.
Pronto, vou sofrer um enfarte, pensei. Não sabia se pulava, gritava ou a abraçava.
- Patrícia, que maravilhoso!!! Você está falando sério?
- Então faremos o seguinte, sabe aquela matéria de cosplayers que tanto você queria fazer? Pois então, você começa a realizar aqui em São Paulo e faz um comparativo como o pessoal de Tóquio. E assim que você terminar a reportagem, aí você assume o seu novo cargo. Topa?
- Claro!! Poxa, obrigada, Patrícia, disse superfeliz e no fim me vi a abrançando e ela soltou uma boa risada.
Mas, aí me lembrei que se quando eu voltasse, estaria em um cargo de editora assistente, isso incluía pedir afastamento do meu outro frila, a da editora das revistas de farmácia e medicina. Incluía também ficar longe dos fechamentos e o bom trabalho com a Marta.  Mas tinha um lado muito bom, ficar definitivamente longe de Giovanni. E assim o fiz. Expliquei os motivos e Marta entendeu. Apesar disso, mais tarde iríamos ter um contato além do profissional, tornaríamos amigas.
Depois de um mês, malas prontas, passaporte em dia. Lá estávamos no voo, rumo a Tóquio, Japão.

Reviravolta - Parte 6

Intemperança

Essa voz... essa voz tão conhecida, e que me trouxe tanta insegurança. Virei lentamente e lá estava ele, parado ao pé da porta da sala onde eu ficava quando que tinha que bater as últimas emendas....
- E te digo mais, você ficado cada vez mais bonita , completou.
- Obrigada, Giovanni ! Tudo bem com você ?, perguntei ríspida.
- Sim, um pouco cansado – disse pensativo com olhar perdido em um quadro que estava atrás de mim. De forma bem imprevisível, ele me encarou e foi direto ao assunto:
- Você está namorando? Percebi que você mudou o seu status.
Não sabia o que falar. Primeiro pensei em responder: "O que você tem a ver com isso? Quando te quis, você correu atrás daquela... daquela vaca! Agora que estou bem, com que direito você tem em tirar a minha paz?". Mas tudo que respondi foi:
- Sim. Sim, estou. E como você tem andando com a Berenice? – tentando disfarçar a raiva na voz.
- Estamos bem. Ela é muito boa.
Fique pensando: "Eu imagino em que...".
- Bem, não quero mais atrapalhar você. Aliás, parte do seu serviço fará que nós possamos sair mais cedo, não?
Quando ele disse, a minha primeira reação era xingá-lo. Mas que adiantava? É lógico que ele queria me provocar. E se eu respondesse, primeiro, com certeza perderia um dos meus frilas. Segundo, quem foi o estúpido da história foi ele e terceiro...bem, deixa pra lá.
A única coisa que respondi foi:
- É verdade. Vou continuar ...
- Bem, até logo.
- Mande lembranças à Berenice, disse em tom irônico.
- Mandarei.
E assim ele fechou a porta. Ainda tremia de raiva por dentro. Afinal, o conteúdo daquela conversa deixou-me tão irritada que tive que buscar um chá. Voltei, respirei fundo e retornei ao meu trabalho.
Soube na mesma semana, que Giovanni tinha ido visitar a irmã na Dinamarca. Mas não sei se tinha levado Berenice junto. Provavelmente, sim. Mas no fundo, no fundo... o que me importava?
Na semana seguinte, Eduardo veio me buscar no mesmo horário como de costume. Fomos em um restaurante italiano, no Bexiga, e conversamos por horas, tudo acompanhado por um bom vinho.
De repente:
- Posso te perguntar uma coisa?
- Lógico.
- Tenho uma reportagem para realizar e gostaria que você fosse comigo. Você topa?
Antes que perguntasse alguma coisa, ele completou:
- É bem longe...
- Longe ? Como assim?, perguntei.
- Hum...é em outro país.
- Caramba! Qual?
- Adivinha, desafiou sorrindo.
- Sei lá. Argentina?
Ele só balançou a cabeça negando.
- É mais longe?
- É, respondeu dando aquele sorriso como tivesse aprontando algo.
- Estados Unidos?
- Hum...passou longe.
- Poxa. Algum país da Europa?
- Ih, tá morno ainda...
- Fala logo, Du!
Ele riu e disse:
- Sabe que é? Fui escolhido para fazer uma reportagem sobre as indústrias automobilísticas japonesas que estão tendo lucros absurdos. E lógico, se são indústrias japonesas...
- Então é no Japão?, falei rapidamente nem deixando que ele completasse o resto da frase.
- Muito bem, garota, acertou!, respondeu sorrindo enquanto levava a taça de vinho à boca.
- Topo! Quando?
- Olha acho que daqui a um mês no máximo, é que preciso acertar os detalhes dos passaportes, os contatos. Bem, eles adoram marcar tudo com muito antecedência.
- Oba, Japão!!!, gritei feliz.
Na segunda, conversei com a Patrícia, a editora-chefe da revista de cultura, que trabalhava como freelancer fixa.
- Caramba, Cathe! Será que dá para fazer alguma matéria lá? Mas você não vai demorar, né?
- Não. Acho que no máximo será uns 15 dias a um mês. Nossa, Patrícia, se ficar complicado...
- Hum..- pensativa, ela continuou- dá para esperar.
- Por que, Patrícia?
- Gostaria que você assumisse o cargo de editora assistente. Assim a prepararia por uns 2 meses, aí eu tiraria as minhas férias merecidas.
Pronto, vou sofrer um enfarte, pensei. Não sabia se pulava, gritava ou a abraçava.
- Patrícia, que maravilhoso!!! Você está falando sério?
- Então faremos o seguinte, sabe aquela matéria de cosplayers que tanto você queria fazer? Pois então, você começa a realizar aqui em São Paulo e faz um comparativo como o pessoal de Tóquio. E assim que você terminar a reportagem, aí você assume o seu novo cargo. Topa?
- Claro!! Poxa, obrigada, Patrícia, disse superfeliz e no fim me vi a abrançando e ela soltou uma boa risada.
Mas, aí me lembrei que se quando eu voltasse, estaria em um cargo de editora assistente, isso incluía pedir afastamento do meu outro frila, a da editora das revistas de farmácia e medicina. Incluía também ficar longe dos fechamentos e o bom trabalho com a Marta.  Mas tinha um lado muito bom, ficar definitivamente longe de Giovanni. E assim o fiz. Expliquei os motivos e Marta entendeu. Apesar disso, mais tarde iríamos ter um contato além do profissional, tornaríamos amigas.
Depois de um mês, malas prontas, passaporte em dia. Lá estávamos no voo, rumo a Tóquio, Japão.

domingo, 22 de agosto de 2010

Reviravolta - Parte 5

Doçura

A aula tinha terminado e como de costume era esperada a reunião do pessoal. Mas estranhamente todos furaram, menos ele. Na época não tinha reparado que a intenção era de nos deixar sozinhos. Pensava que era a chuva que os tinha afugentados.
- Então, vamos almoçar? Estou morrendo de fome. Topa um yakissoba?
- Hum.. aquele que comemos uma vez no restaurante lá na Rua Galvão Bueno?
- Esse mesmo!  Nossa, ele é tão cremoso e tem tanto camarão...
- Para, para, que estou até salivando!
- Então vamos, Cathe, antes que a chuva nos pegue de novo!
Caminhamos da escola até o restaurante. No caminho havia tantas lojas, algumas que não davam para passar despercebidas . Quando entrei em uma delas, o olhei e fiquei com dó. Ele realmente parecia faminto.
- Desculpe, é que não tomei café da manhã. Sai correndo...
- E você está com cara de cansado, né? Balada?, perguntei meio divertida.
- Poxa, antes fosse...fechamento...
- Eu sei que é isso...
- Você também fica tão agitada e demora para pegar no sono?
- Sim, e geralmente me pego assistindo a algum filme antigo na TV para ver se sono chega.
- Oras, sou mais prático...
- O que você faz ?, perguntei curiosa.
- Leio um bom livro chato!
Caímos na risada e já estávamos na porta do restaurante. O almoço foi uma delícia, como sempre a comida oriental sempre me traz sabores, cores e cheiros que nenhuma outra me desperta o apetite e o paladar.
- Hum...sabe o que seria perfeito agora?, ele me perguntou.
Disse rápido e sem pensar muito:
- Um doce!
- Isso!! Perfeito, garota! Além de bonita, você lê mentes.
Só me lembro de ter soltado uma boa gargalhada.
Saímos do restaurante e já ameaçava a chover. No meio do caminho, ela nos pegou desprevenidos. Como não estávamos de guarda-chuva, ele tirou a sua jaqueta e a estendeu como uma tenda sobre nossas cabeças para proteger da chuva. Era divertido correr pela rua e as gotas caindo no rosto.
Assim que chegamos, na padaria na Rua dos Estudantes, ele abriu a porta para eu entrar primeiro.
- Hum... obrigada !, agradeci com uma reverência.
- De nada, desponha, respondeu ele.
Demorou para escolher qual tipo de doce que cada um ia saborear. Também a variedade era tanta e com tanta cor. "Nossa, como amo esse lugar", pensei.
Depois de ter colocados os doces com auxílio do pegador nas bandejas, dirigimos ao caixa.
- Deixa que eu pago. Faço questão!
- Mas você já pagou o almoço, retruquei. E aí o provoquei – Isso parece um encontro.
- É quase isso, respondeu ele com uma piscada de olho.
Subimos para o andar superior e a conversa continuou animada. Fiquei curiosa com aquela bebida estranha que se chamava pobá. E ele saboreava com tanto gosto.
- Parece esquisita, talvez quem inventou realmente curtia filme de ficção científica.
Ele riu e disse:
- Experimenta um pouquinho.
Inclinei a cabeça para descobrir qual o sabor daquela bebida misteriosa. Quando levantei-me fui surpreendida com um beijo.
Não sei quando tempo durou, tanto que perdi o senso de direção e do lugar que estava. Só o que queria era beijá-lo e beijá-lo cada vez mais. O cheiro doce que circulava na padaria, a respiração dele, tudo me deixava meio tonta, meio perdida, mas feliz.
Foi aí que iniciou nosso namoro. Engraçado, nós sempre acreditamos que é aquele homem por quem "cismamos" é o cara da nossa vida, mas mal sabia que o “cara” estava bem ao meu lado . Ele é doce, divertido, companheiro e no fundo, um romântico. E se eu tivesse me tocado antes, com certeza, já teria dado a chance para ele mais cedo.
Nós entendemos em todos os sentidos e muitas vezes um descobre o que o outro está pensando. Lógico, que tivemos que fazer alguns ajustes; relacionamento bom nunca nasce pronto.
Os amigos, parentes, colegas perceberam que nossos modos mudaram e surgiu um brilho nos olhos de cada um que não tinha aparecido antes. E quantas vezes, peguei-me rindo à toa, lembrando algo de engraçado que ele falou ou de uma situação divertida que passamos juntos.
Aquela noite não foi diferente. Estava em pleno fechamento ajudando a Marta a bater as últimas emendas de um texto complicadíssimo sobre negócios. A reportagem estava boa, apesar do assunto superchato, mas tinha tantos erros, que tivemos revê-la  várias vezes.
Um determinado trecho deixou-me confusa, e aí pedi ajuda para o Eduardo. Liguei pelo celular para tirar a dúvida. Ele me explicou de forma bem clara que entendi em poucos segundos, e de uma forma um tanto excêntrica, pegou como exemplo a minha própria vida financeira.
- Prometo que ainda coloco você nos eixos, disse ele rindo.
- Vai ser meio difícil, mas nada como ter um namorado jornalista com especialização em economia.
- Viu? A vida traz sempre algo que precisamos, completou.
- Hum...então ela poderia trazer aquele par de sapatos maravilhoso que vi semana passada...
- Deixa de ser picareta, disse rindo, conheço você. Tá me cantando para comprá-lo, né?
- É...não seria nada mal...
- Mas você é abusada, hein, mocinha? Duvido que ele já esteja aí com você em um pacote dourado daquela loja cara que vimos a semana passada. Aonde já se viu? Você largou a minha mão e foi correndo para a vitrine, mesmo com a loja fechada. Parecia uma criança em uma loja de doces.
Fique assustada. Como ele pode descobrir que eu o tinha comprado com o cartão de crédito? Ele é paranormal?
- Cathe, estou certo que você está com pacote aí?
Olhei apenas com canto dos olhos o pacote dourado encostado na mesa... Meio estupefata disse:
- Caramba, você não deixa escapar nada...
Ele caiu na risada e falou:
- Você é uma perdulária, mas te amo mesmo assim.
Depois que desligamos, olhei de novo para o pacote e comecei a rir. O danado pegava até quando eu aprontava com o cartão de crédito...
- Você está contente hoje...aliás, você tem andando muito contente.

Reviravolta - Parte 5

Doçura

A aula tinha terminado e como de costume era esperada a reunião do pessoal. Mas estranhamente todos furaram, menos ele. Na época não tinha reparado que a intenção era de nos deixar sozinhos. Pensava que era a chuva que os tinha afugentados.
- Então, vamos almoçar? Estou morrendo de fome. Topa um yakissoba?
- Hum.. aquele que comemos uma vez no restaurante lá na Rua Galvão Bueno?
- Esse mesmo!  Nossa, ele é tão cremoso e tem tanto camarão...
- Para, para, que estou até salivando!
- Então vamos, Cathe, antes que a chuva nos pegue de novo!
Caminhamos da escola até o restaurante. No caminho havia tantas lojas, algumas que não davam para passar despercebidas . Quando entrei em uma delas, o olhei e fiquei com dó. Ele realmente parecia faminto.
- Desculpe, é que não tomei café da manhã. Sai correndo...
- E você está com cara de cansado, né? Balada?, perguntei meio divertida.
- Poxa, antes fosse...fechamento...
- Eu sei que é isso...
- Você também fica tão agitada e demora para pegar no sono?
- Sim, e geralmente me pego assistindo a algum filme antigo na TV para ver se sono chega.
- Oras, sou mais prático...
- O que você faz ?, perguntei curiosa.
- Leio um bom livro chato!
Caímos na risada e já estávamos na porta do restaurante. O almoço foi uma delícia, como sempre a comida oriental sempre me traz sabores, cores e cheiros que nenhuma outra me desperta o apetite e o paladar.
- Hum...sabe o que seria perfeito agora?, ele me perguntou.
Disse rápido e sem pensar muito:
- Um doce!
- Isso!! Perfeito, garota! Além de bonita, você lê mentes.
Só me lembro de ter soltado uma boa gargalhada.
Saímos do restaurante e já ameaçava a chover. No meio do caminho, ela nos pegou desprevenidos. Como não estávamos de guarda-chuva, ele tirou a sua jaqueta e a estendeu como uma tenda sobre nossas cabeças para proteger da chuva. Era divertido correr pela rua e as gotas caindo no rosto.
Assim que chegamos, na padaria na Rua dos Estudantes, ele abriu a porta para eu entrar primeiro.
- Hum... obrigada !, agradeci com uma reverência.
- De nada, desponha, respondeu ele.
Demorou para escolher qual tipo de doce que cada um ia saborear. Também a variedade era tanta e com tanta cor. "Nossa, como amo esse lugar", pensei.
Depois de ter colocados os doces com auxílio do pegador nas bandejas, dirigimos ao caixa.
- Deixa que eu pago. Faço questão!
- Mas você já pagou o almoço, retruquei. E aí o provoquei – Isso parece um encontro.
- É quase isso, respondeu ele com uma piscada de olho.
Subimos para o andar superior e a conversa continuou animada. Fiquei curiosa com aquela bebida estranha que se chamava pobá. E ele saboreava com tanto gosto.
- Parece esquisita, talvez quem inventou realmente curtia filme de ficção científica.
Ele riu e disse:
- Experimenta um pouquinho.
Inclinei a cabeça para descobrir qual o sabor daquela bebida misteriosa. Quando levantei-me fui surpreendida com um beijo.
Não sei quando tempo durou, tanto que perdi o senso de direção e do lugar que estava. Só o que queria era beijá-lo e beijá-lo cada vez mais. O cheiro doce que circulava na padaria, a respiração dele, tudo me deixava meio tonta, meio perdida, mas feliz.
Foi aí que iniciou nosso namoro. Engraçado, nós sempre acreditamos que é aquele homem por quem "cismamos" é o cara da nossa vida, mas mal sabia que o “cara” estava bem ao meu lado . Ele é doce, divertido, companheiro e no fundo, um romântico. E se eu tivesse me tocado antes, com certeza, já teria dado a chance para ele mais cedo.
Nós entendemos em todos os sentidos e muitas vezes um descobre o que o outro está pensando. Lógico, que tivemos que fazer alguns ajustes; relacionamento bom nunca nasce pronto.
Os amigos, parentes, colegas perceberam que nossos modos mudaram e surgiu um brilho nos olhos de cada um que não tinha aparecido antes. E quantas vezes, peguei-me rindo à toa, lembrando algo de engraçado que ele falou ou de uma situação divertida que passamos juntos.
Aquela noite não foi diferente. Estava em pleno fechamento ajudando a Marta a bater as últimas emendas de um texto complicadíssimo sobre negócios. A reportagem estava boa, apesar do assunto superchato, mas tinha tantos erros, que tivemos revê-la  várias vezes.
Um determinado trecho deixou-me confusa, e aí pedi ajuda para o Eduardo. Liguei pelo celular para tirar a dúvida. Ele me explicou de forma bem clara que entendi em poucos segundos, e de uma forma um tanto excêntrica, pegou como exemplo a minha própria vida financeira.
- Prometo que ainda coloco você nos eixos, disse ele rindo.
- Vai ser meio difícil, mas nada como ter um namorado jornalista com especialização em economia.
- Viu? A vida traz sempre algo que precisamos, completou.
- Hum...então ela poderia trazer aquele par de sapatos maravilhoso que vi semana passada...
- Deixa de ser picareta, disse rindo, conheço você. Tá me cantando para comprá-lo, né?
- É...não seria nada mal...
- Mas você é abusada, hein, mocinha? Duvido que ele já esteja aí com você em um pacote dourado daquela loja cara que vimos a semana passada. Aonde já se viu? Você largou a minha mão e foi correndo para a vitrine, mesmo com a loja fechada. Parecia uma criança em uma loja de doces.
Fique assustada. Como ele pode descobrir que eu o tinha comprado com o cartão de crédito? Ele é paranormal?
- Cathe, estou certo que você está com pacote aí?
Olhei apenas com canto dos olhos o pacote dourado encostado na mesa... Meio estupefata disse:
- Caramba, você não deixa escapar nada...
Ele caiu na risada e falou:
- Você é uma perdulária, mas te amo mesmo assim.
Depois que desligamos, olhei de novo para o pacote e comecei a rir. O danado pegava até quando eu aprontava com o cartão de crédito...
- Você está contente hoje...aliás, você tem andando muito contente.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Reviravolta - Parte 4

Bálsamo

- Quer ir à Liberdade comigo?
Beatriz, ou simplesmente Bia, é a minha sobrinha mais nova. Alta, magra e cabelos cortados  no mesmo estilo dos personagens de um mangá. Para quem não a conhece, parece tímida, mas é uma garota curiosa, divertida e sempre em busca de novidades.
- Vai!! Vai ficar triste aí?
- O que você vai fazer lá?
- Ah, vou percorrer as lojas para comprar uns detalhes para o meu cosplay, depois vou escolher alguns mangás e no fim vou almoçar... Poxa, faz tempo que não saímos juntas.
Isso era verdade, depois da avalanche, fiquei quieta demais, calada demais.
- Tá bom, vai! Passo aí às 10 horas e vamos.
- Não, deixa que vou até na sua casa.
O domingo estava claro, com temperatura agradável e as lojas começavam a abrir. Já tinha ido ao bairro da Liberdade outras vezes, mas desta vez iria conhecê-lo sob os olhos de uma otome. Otaku/ otome (para as meninas) é uma expressão usada no Japão para definir pessoas viciadas em alguma coisa. No caso da Bia remetia aos mangás e animes, além de ser uma cosplayer. O termo para quem não conhece é a forma que chamam para quem vestem-se como seus personagens preferidos de animes ou mangás.
Entramos em um pequeno shopping, que mais parecia uma galeria com vários andares. A primeira parada foi em uma loja de mangás. Ela percorria o estabelecimento com uma familiaridade que me deixou surpresa. Não sei se foi pela sua empolgação ou pela paixão que ela manipulava aqueles pequenos livros-revistas que comecei a mexer nas coleções das outras prateleiras.
- Quer que te ensine? É assim, você lê de trás para frente. E da direita para esquerda e vai indo.
Diverti-me com o fato de uma ocidental, descendente de portugueses e italianos, sentia-se tão à vontade com aquele jeito que só os japoneses conseguem ler.
Enquanto ela me explicava histórias dos vários mangás, uma publicação me chamou a atenção: “A Princesa e o Cavaleiro”, de Osamu Tezuka.
- Olha !! Assistia a esse desenho quando pequena.
- Sério? Está vendo? Você assistia anime e nem sabia. É que nem o meu pai. Ele falou que adorava ver Speedy Racer. Ué, era outro anime. disse divertindo-se.
E não é que ela estava falando a verdade? Fui tão empolgada que depois acabei me pegando comprando alguns exemplares de “A Princesa e o Cavaleiro”. Foi a partir daí que comecei a me apaixonar por mangás, animes e outras formas da cultura japonesa.
Muitas vezes ia semanalmente ao bairro em busca de novos volumes das mais variadas histórias. Confesso que a princípio atrapalhei-me na leitura que não se podia se chamar de livros...ou tão poucos revistas, mas como a própria senhora que me atendia na busca dessas publicações disse: “esse é o perfil da literatura pop japonesa”. E aí aos pouquinhos um desafio que me despertou um interesse: aprender japonês.
- Japonês?, perguntavam.
- Sim, afinal quem sabe realmente falar por aqui? Aliás, só os descendentes ou as pessoas nativas do país que aqui vivem e olha lá.
Pedi conselhos para os amigos descendentes, procurei anúncios e pesquisei escolas que podiam ser idôneas. E então a achei, no centro do bairro que até então virou a minha segunda casa: a Liberdade.
Realizei a minha matrícula meio apreensiva, empolgada e, confesso, um pouquinho com medo.
E assim foi , em uma quarta-feira à noite comecei o curso. Os horários que escolhi foram às quartas-feiras e aos sábados. Às quartas começava por volta das 19:30 e aos sábados às 10:30 horas.
A primeira aula foi bem diferente e divertida, se dizermos assim... Cheguei à escola por volta das 19 horas. Procurei uma cadeira que ficasse no meio da sala, e não muito perto da janela porque a noite estava fria. Enquanto esperava pelo início das aulas, duas senhoras próximas a mim conversavam animadamente.
Pensava comigo mesma que é sempre estranho iniciar algum projeto que envolve outras pessoas que ainda você não tem intimidade. Não que tivesse dificuldade para fazer amizades, mas o começo é sempre difícil.
Às 19:30 em ponto, o professor, um senhor de 70 anos, adentrou à sala e nos cumprimentou com bastante reverência. Aos poucos percebi que foi uma das melhores decisões que já tomei na minha vida.
Passado 15 minutos, um rapaz chega esbaforido à sala.
- Oyasuminasai !
A cena era engraçada, o rapaz parecia um gigante desajeitado perto do pequeno professor. Com a cara surpresa, sua primeira reação foi sorrir, mas de modo envergonhado.  Afinal, ele tinha consciência do seu atraso (hábito que os orientais não gostam muito). A classe divertiu-se, e o senhorzinho disse:
- Você sabe o que falei?
- Hum..não!
- Boa-noite ! – respondeu sorrindo – Sente-se meu rapaz e seja bem-vindo à aula.
Ele dirigiu-se à mesa vaga ao meu lado e acomodou-se de forma vagarosa como um gato e tentou fazer o mínimo de barulho com as suas coisas.
Não sei explicar, mas de alguma forma ele me encantou. Era alto, magro, os olhos azuis e cabelos bem pretos e ondulados. Era estiloso, não só na maneira de trajar, mas o jeito que se comportava.
Pensei: "Catharina, por favor, foque na aula. Você não quer encrencas, né?"
Mas parecia que elas me perseguiam...
Quando o curso terminou, dirigi-me ao estacionamento. O manobrista entregou-me o carro e quando ia saindo, quase atropelo, por sinal, o mesmo rapaz.
- Desculpas! Tudo bem com você?
- Nossa! Eu que peço desculpas, estou tão distraído hoje, mil perdões.
Deu um sorriso e seguiu até o carro dele.
Aos poucos, percebi que ele era bem participativo e falante durante as aulas . Eduardo era o típico cara desembaraçado que aos poucos conquistou toda a classe, inclusive a mim. Curioso, inteligente, sem dúvida, ele não passava despercebido .
Aos sábados, a turma reunia-se para almoçar em um restaurante japonês em uma galeria e para tomar café o local escolhido era uma padaria na Rua dos Estudantes. Lá, para mim, era o paraíso. Uma variedade de pães e doces que você escolhia, usava o pegador para colocá-los na bandeja, passava no caixa e depois podia deliciar-se.
Em muitas dessas reuniões, ele sempre sentava ao meu lado. No começo pensei que não fosse de propósito. Distraída, mais tarde percebi que era ao contrário. Tentei procurar todos os defeitos que me incomodavam nele, mas quando sorria, toda a minha censura desvanecia.
- Quer provar um pedaço de pão chinês ? Está uma delícia!
- Não, muito obrigada, disse.
- Ah, é que de carne de porco, né? Você não comeria o bichinho que é símbolo do seu time.
Dei uma risada e disse:
- Você é sempre assim? Perde o amigo, mas não perde a piada?
- É... digamos que sim. Mas depende da amiga, eu fico sem graça.
"É isso mesmo que pensei?", perguntei para mim mesma. Mas como ele tem o dom de disfarçar muito bem, desconversou quando tentei entender o “sem graça”. E não é que o maledeto entrou com outra pergunta:
- E aí o que você vai fazer hoje à noite ?, perguntou enquanto tentava cortar o pãozinho com hashi.
- Ah, sabe que não tenho nenhum compromisso para hoje?
Não, não foi eu que respondi isso, mas Matilde, uma moça que era uma gracinha, mas completamente complexada.
Ele olhou para mim e sorriu.
- Depois a gente conversa, falou sussurrando e com esboço de sorriso do lado.
Sim – pensava – ele é muito charmoso, apesar de atrapalhado.
Continuamos a paquera por algum tempo. Trocamos telefone, messenger , adicionamos um ao outro nas redes sociais. Conversávamos bastante, e aos poucos trocamos confidências, mas nem e nem outro teve coragem de confessar os sentimentos.
Era evidente o quanto ele gostava de mim e eu, dele. Talvez por orgulho ou medo da rejeição que nos atrapalhou para formamos um casal em tempo mais curto.
Mas naquele sábado chuvoso tudo aconteceu...

Reviravolta - Parte 4

Bálsamo

- Quer ir à Liberdade comigo?
Beatriz, ou simplesmente Bia, é a minha sobrinha mais nova. Alta, magra e cabelos cortados  no mesmo estilo dos personagens de um mangá. Para quem não a conhece, parece tímida, mas é uma garota curiosa, divertida e sempre em busca de novidades.
- Vai!! Vai ficar triste aí?
- O que você vai fazer lá?
- Ah, vou percorrer as lojas para comprar uns detalhes para o meu cosplay, depois vou escolher alguns mangás e no fim vou almoçar... Poxa, faz tempo que não saímos juntas.
Isso era verdade, depois da avalanche, fiquei quieta demais, calada demais.
- Tá bom, vai! Passo aí às 10 horas e vamos.
- Não, deixa que vou até na sua casa.
O domingo estava claro, com temperatura agradável e as lojas começavam a abrir. Já tinha ido ao bairro da Liberdade outras vezes, mas desta vez iria conhecê-lo sob os olhos de uma otome. Otaku/ otome (para as meninas) é uma expressão usada no Japão para definir pessoas viciadas em alguma coisa. No caso da Bia remetia aos mangás e animes, além de ser uma cosplayer. O termo para quem não conhece é a forma que chamam para quem vestem-se como seus personagens preferidos de animes ou mangás.
Entramos em um pequeno shopping, que mais parecia uma galeria com vários andares. A primeira parada foi em uma loja de mangás. Ela percorria o estabelecimento com uma familiaridade que me deixou surpresa. Não sei se foi pela sua empolgação ou pela paixão que ela manipulava aqueles pequenos livros-revistas que comecei a mexer nas coleções das outras prateleiras.
- Quer que te ensine? É assim, você lê de trás para frente. E da direita para esquerda e vai indo.
Diverti-me com o fato de uma ocidental, descendente de portugueses e italianos, sentia-se tão à vontade com aquele jeito que só os japoneses conseguem ler.
Enquanto ela me explicava histórias dos vários mangás, uma publicação me chamou a atenção: “A Princesa e o Cavaleiro”, de Osamu Tezuka.
- Olha !! Assistia a esse desenho quando pequena.
- Sério? Está vendo? Você assistia anime e nem sabia. É que nem o meu pai. Ele falou que adorava ver Speedy Racer. Ué, era outro anime. disse divertindo-se.
E não é que ela estava falando a verdade? Fui tão empolgada que depois acabei me pegando comprando alguns exemplares de “A Princesa e o Cavaleiro”. Foi a partir daí que comecei a me apaixonar por mangás, animes e outras formas da cultura japonesa.
Muitas vezes ia semanalmente ao bairro em busca de novos volumes das mais variadas histórias. Confesso que a princípio atrapalhei-me na leitura que não se podia se chamar de livros...ou tão poucos revistas, mas como a própria senhora que me atendia na busca dessas publicações disse: “esse é o perfil da literatura pop japonesa”. E aí aos pouquinhos um desafio que me despertou um interesse: aprender japonês.
- Japonês?, perguntavam.
- Sim, afinal quem sabe realmente falar por aqui? Aliás, só os descendentes ou as pessoas nativas do país que aqui vivem e olha lá.
Pedi conselhos para os amigos descendentes, procurei anúncios e pesquisei escolas que podiam ser idôneas. E então a achei, no centro do bairro que até então virou a minha segunda casa: a Liberdade.
Realizei a minha matrícula meio apreensiva, empolgada e, confesso, um pouquinho com medo.
E assim foi , em uma quarta-feira à noite comecei o curso. Os horários que escolhi foram às quartas-feiras e aos sábados. Às quartas começava por volta das 19:30 e aos sábados às 10:30 horas.
A primeira aula foi bem diferente e divertida, se dizermos assim... Cheguei à escola por volta das 19 horas. Procurei uma cadeira que ficasse no meio da sala, e não muito perto da janela porque a noite estava fria. Enquanto esperava pelo início das aulas, duas senhoras próximas a mim conversavam animadamente.
Pensava comigo mesma que é sempre estranho iniciar algum projeto que envolve outras pessoas que ainda você não tem intimidade. Não que tivesse dificuldade para fazer amizades, mas o começo é sempre difícil.
Às 19:30 em ponto, o professor, um senhor de 70 anos, adentrou à sala e nos cumprimentou com bastante reverência. Aos poucos percebi que foi uma das melhores decisões que já tomei na minha vida.
Passado 15 minutos, um rapaz chega esbaforido à sala.
- Oyasuminasai !
A cena era engraçada, o rapaz parecia um gigante desajeitado perto do pequeno professor. Com a cara surpresa, sua primeira reação foi sorrir, mas de modo envergonhado.  Afinal, ele tinha consciência do seu atraso (hábito que os orientais não gostam muito). A classe divertiu-se, e o senhorzinho disse:
- Você sabe o que falei?
- Hum..não!
- Boa-noite ! – respondeu sorrindo – Sente-se meu rapaz e seja bem-vindo à aula.
Ele dirigiu-se à mesa vaga ao meu lado e acomodou-se de forma vagarosa como um gato e tentou fazer o mínimo de barulho com as suas coisas.
Não sei explicar, mas de alguma forma ele me encantou. Era alto, magro, os olhos azuis e cabelos bem pretos e ondulados. Era estiloso, não só na maneira de trajar, mas o jeito que se comportava.
Pensei: "Catharina, por favor, foque na aula. Você não quer encrencas, né?"
Mas parecia que elas me perseguiam...
Quando o curso terminou, dirigi-me ao estacionamento. O manobrista entregou-me o carro e quando ia saindo, quase atropelo, por sinal, o mesmo rapaz.
- Desculpas! Tudo bem com você?
- Nossa! Eu que peço desculpas, estou tão distraído hoje, mil perdões.
Deu um sorriso e seguiu até o carro dele.
Aos poucos, percebi que ele era bem participativo e falante durante as aulas . Eduardo era o típico cara desembaraçado que aos poucos conquistou toda a classe, inclusive a mim. Curioso, inteligente, sem dúvida, ele não passava despercebido .
Aos sábados, a turma reunia-se para almoçar em um restaurante japonês em uma galeria e para tomar café o local escolhido era uma padaria na Rua dos Estudantes. Lá, para mim, era o paraíso. Uma variedade de pães e doces que você escolhia, usava o pegador para colocá-los na bandeja, passava no caixa e depois podia deliciar-se.
Em muitas dessas reuniões, ele sempre sentava ao meu lado. No começo pensei que não fosse de propósito. Distraída, mais tarde percebi que era ao contrário. Tentei procurar todos os defeitos que me incomodavam nele, mas quando sorria, toda a minha censura desvanecia.
- Quer provar um pedaço de pão chinês ? Está uma delícia!
- Não, muito obrigada, disse.
- Ah, é que de carne de porco, né? Você não comeria o bichinho que é símbolo do seu time.
Dei uma risada e disse:
- Você é sempre assim? Perde o amigo, mas não perde a piada?
- É... digamos que sim. Mas depende da amiga, eu fico sem graça.
"É isso mesmo que pensei?", perguntei para mim mesma. Mas como ele tem o dom de disfarçar muito bem, desconversou quando tentei entender o “sem graça”. E não é que o maledeto entrou com outra pergunta:
- E aí o que você vai fazer hoje à noite ?, perguntou enquanto tentava cortar o pãozinho com hashi.
- Ah, sabe que não tenho nenhum compromisso para hoje?
Não, não foi eu que respondi isso, mas Matilde, uma moça que era uma gracinha, mas completamente complexada.
Ele olhou para mim e sorriu.
- Depois a gente conversa, falou sussurrando e com esboço de sorriso do lado.
Sim – pensava – ele é muito charmoso, apesar de atrapalhado.
Continuamos a paquera por algum tempo. Trocamos telefone, messenger , adicionamos um ao outro nas redes sociais. Conversávamos bastante, e aos poucos trocamos confidências, mas nem e nem outro teve coragem de confessar os sentimentos.
Era evidente o quanto ele gostava de mim e eu, dele. Talvez por orgulho ou medo da rejeição que nos atrapalhou para formamos um casal em tempo mais curto.
Mas naquele sábado chuvoso tudo aconteceu...

domingo, 15 de agosto de 2010

Reviravolta - Parte 3

Monstro

A noite estava fria, e o fechamento foi regado a xícaras de chocolate com marshmallow, biscoitinhos de queijo e outras especiarias.
- Tudo por conta da casa, falou Marta.
Como de costume, ele apareceu no final dos trabalhos.
- Tudo certo então? Posso levar o CD ?
- Claro! A prova chega na segunda e damos a última batida aqui, respondeu Marta.
- Ótimo! Agora vão que vocês precisam descansar, disse olhando para mim. E quando reparei, ele  tentou desviar o olhar o mais rápido possível.
O som das inconfundíveis batidas dos saltos altos que aumentavam conforme chegavam à sala atrapalharam o entendimento do resto da conversa entre ele e Marta.
- Boa-noite!
Foi difícil controlar as minhas emoções e a minha feição diante daquela figura. O tom da voz cortante e seco, os cabelos presos em um coque, o olhar superior e o mesmo ar vulgar mesmo vestida em um tailleur... Era ela...Berenice.
Quase me senti desfalecer quando ela pegou no braço de Giovanni, e o olhou de forma lânguida, meio que se oferecesse, lá, na frente de todos.
Ao mesmo tempo, ele parecia sem jeito e evitava me olhar. Eu os encarava apreensiva, assustada, mas o meu olhar era fulminante, cheio de raiva.
Para sair correndo da situação, ele disse em ritmo rápido:
- Bem, antes de tudo muito obrigado pelo trabalho. E desejo a todos, uma ótima noite.
Ótima noite??? Só se for para ele!! . Nunca desejei a morte de alguém como naquele momento! E nunca iria imaginar que ele estava com ela.
No táxi, de volta para casa e ao lado de Marta, tentei disfarçar a voz trêmula, o choro preso na garganta, as olheiras fundas e olhar perdido que focava nos prédios, casas, comércio que eram mal iluminados pela luz fraca dos postes.
- Você está bem?, perguntou Marta com uma voz preocupada
- Sim, disse com um suspiro – Ah, tudo ficará bem... tem que ficar tudo bem...
Os dias que se passaram foram os mais tristes da minha vida. Não me conformava comigo mesma por me sentir tão atraída e apaixonada por ele. Não me conformava sentir o que estava sentindo. Sentia tonturas, talvez pelo esforço que o meu cérebro fazia para procurar as respostas que as perguntas do coração gritavam sem cessar. Tudo inútil. E assim me sentia também: inútil.
Tentei me focar no trabalho, mas como aquele mês não rendia bons frilas, sempre me pegava com o mesmo dilema: "Por quê?" E eram vários porquês...Por que me apaixonei por ele? Por que ele não foi sincero comigo? Por que depositei tanta esperança em algo que não tinha futuro?
Recebi apoio de amigos, sai várias vezes, ia para baladas, me embebedei. Mas foi uma adolescente que me mostrou a saída...