domingo, 12 de setembro de 2010

Reviravolta - Parte 9

Vazio

Estávamos voltando de um passeio, não passava de 3 horas da tarde e tudo que queria era descansar porque sabia que a semana seria puxada. Mas quando chegamos ao estacionamento do prédio e íamos em direção do elevador, um dos porteiros avisou que tinha uma moça nos esperando porque o assunto era muito importante.
- Quem será?, perguntou Eduardo enquanto caminhávamos em direção à sala de estar do prédio.
Quando chegamos, vi uma moça alta, magra e que tinha cabelos castanhos claros. Possuía o nariz saliente e estava com uma cara abatida. Reparei que ela estava agitada e nervosa.
No momento que cheguei perto, ela me perguntou diretamente:
- Você é a Catharina?
- Sim, sou eu.
- Boa-tarde, desculpe chegar assim tão de repente, mas não tive alternativa. Sou a Rita, irmã do Giovanni, falou enquanto estendia-me a mão.
Virei o rosto com surpresa para o Eduardo que só levantou uma das sobrancelhas. Pensei: "mas o que a traz até aqui?".  Parecendo descobrir o meu pensamento, ela continuou:
- Bem, estou aqui porque..., deu uma pausa, suspirou e levou a mão ao peito como segurasse o choro e continuou: -  Bem...Porque o Giovanni morreu.
Lembro que prendi a respiração e dei uns dois passos para trás. Não sabia o que falar para aquela moça. Mas numa situação como aquela, pedi para que ela nos acompanhasse até o apartamento. Subimos em silêncio, eu com a cabeça baixa e Eduardo com uma expressão séria. Primeiro pensei que ele estivesse com ciúmes, mas percebi que a sua grande preocupação era o meu bem-estar e do bebê.
Chegamos ao apartamento e lhe ofereci um chá que ela aceitou de bom grado. Tentei ser amigável com Rita, mas não sabia como me comportar com aquela situação, que era, no mínimo, inusitada. Primeiro porque acabava de saber que Giovanni não estava mais entre nós e segundo, o que se diz em um momento como esse?
Eduardo assistiu tudo em silêncio e de longe, mas com olhar sempre preocupado e como quem dissesse: "Se precisar de mim, me chame!".
Não sei se foi a minha curiosidade mórbida que me moveu a perguntar aquilo ou se foi uma forma de alivia-la:
- Rita, desculpe perguntar...mas o que foi o vitimou? Alguma doença?
- Não um acidente...um acidente de carro...
Minha cabeça deu voltas, meio tonta lembrei que tinha conversado com Marta assim que tinha voltado de viagem e mais tarde sobre a gravidez. Mas ela não me contou nada... Deu para sentir que ela queria esconder algo, mas...será que ela percebeu que cheguei a gostar muito dele?
- Um acidente..., continuei - Que coisa terrível!
- É, realmente terrível. Sei que ele estava num período negro... De repente começou a beber bastante, aliás, os amigos...bem, se é possível, chamá-los de amigos, queriam-no por perto só quando estava bêbado. Não sei se porque ele ficava muito mão aberta ou falava muitas besteiras. Ele largou de Berenice que, para piorar, fez várias chantagens. E não acredito que foi apenas a bebida que os separou...
- Berenice...Berenice está bem?, perguntei trêmula.
- Está, mas superabalada.
Recordei também que Marta chegou a comentar que ele sempre foi boêmio e que exagerava na bebida quando estava com algum problema. Ou também porque era forma de esconder a profunda timidez ou um complexo de inferioridade que o acompanhava constantemente.
Uma coisa que tinha percebido...era quase normal suas viagens em momentos de crise. Não era simples viagens, como se fosse daqui ao interior de São Paulo, elas incluíam roteiros europeus, festas exóticas que poucas pessoas sabiam.
- Desculpe Rita, mas quando foi?
- Foi há um mês e meio atrás. Ele voltava completamente bêbado de uma festa pelo que contaram. Os amigos pediram para que ele não dirigisse, mas ele quis escutar?  - Nesta hora, Rita parou um pouco para retomar o fôlego porque o choro insistia sair – Bem, ele não quis saber e voltava de um aniversário. Foi a festa de Larissa, você a conhece?
Larissa... a moça que pensava que era a verdadeira namorada na época...Um misto de raiva e ciúmes  veio à tona...
- Sei quem é, mas não a conheço pessoalmente. Apenas que ela era amiga dele no Facebook, não é?
- Ela é um amor, mas desmiolada, coitada! Está desolada também...
"Imagino como esteja desolada", pensei. Mas o que me interessava? Por que mesmo depois de morto Giovanni queria me assombrar? E aí a resposta estava na minha frente ou melhor, nas mãos de Rita.
Quando me toquei, nesse meio tempo, Rita tirou uma carta da bolsa e estendeu-a dizendo:
- Catharina, acredito que isto seja para você.
Sem pensar muito, peguei a carta que estava amarrotada e um pouco suja e era endereçada a mim. Sim, era letra dele, inconfundível, bonita, mesmo que as palavras se apresentavam apertadas umas contra as outras.
Enquanto isso, a voz de Rita me trouxe novamente à realidade.
- Quando ele morreu, voltei da Dinamarca porque mamãe entrou em colapso. E como meu outro irmão ficou omisso, foi a minha responsabilidade resolver muitas coisas pendentes. Inclusive as contas, as roupas e até o próprio funeral. A minha mãe já é suscetível a entrar em depressão, até porque nosso pai a abandonou por uma moça bem mais nova. E no fundo, mamãe era apegada ao meu irmão, mesmo que não se entendessem muito bem.
Rita ainda continuou:
- Quando estava dando um jeito nas coisas dele, achei essa carta. Não sabia o que fazer, mas por respeito a ele procurei quem era a moça que era citada. Além do mais, nem Berenice, nem ninguém tinha conhecimento sobre ela e nem sobre seu conteúdo. Fui de forma mais discreta possível descobrir quem era Catharina e as informações chegaram a você. Inclusive uma moça muito simpática que foi sua chefe foi a grande informante sobre seu paradeiro...
Só podia ser Marta, pensei.
- Rita...Fechei os olhos, suspirei e continuei: - Rita, vou ler outra hora, está bem? Digo isso porque já foi um choque essa notícia. E no momento, não posso passar nervoso.
- Catharina, me desculpe. Você está...
Antes que ela completasse a frase, disse:
- Estou grávida e há um mês e meio...Aliás, acredito que não soube do ocorrido porque estava no Japão no mesmo período.
Meio boca aberta, Rita demorou um pouco para falar. Parecia que queria dizer algo, mas o máximo que conseguiu falar foi:
- Na mesma época que ele...Me desculpe. E as lágrimas começaram a correr do seu rosto.
Não sei o que me levou, mas a abracei, e ela começou a chorar mais forte. Depois de um certo momento, ela me afastou e olhou no fundo dos meus olhos e disse:
- Catharina, ele te amava...
Foi como tivesse levado um soco no estômago.
- Oh, céus, por que sou tão desastrada? Desculpe, desculpe!! Enquanto Rita enxugava as lágrimas pegou a bolsa e se apressou para ir à porta. Fiquei meio sem ação depois de tudo. E enquanto ela saía disse:
- Mil perdões mais uma vez. Bem, acredito que cumpri a minha última missão. Agora posso voltar à vida normal, voltar para Dinamarca...
Enquanto isso, um sinal sonoro avisava que o elevador tinha chegado.

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