domingo, 22 de agosto de 2010

Reviravolta - Parte 5

Doçura

A aula tinha terminado e como de costume era esperada a reunião do pessoal. Mas estranhamente todos furaram, menos ele. Na época não tinha reparado que a intenção era de nos deixar sozinhos. Pensava que era a chuva que os tinha afugentados.
- Então, vamos almoçar? Estou morrendo de fome. Topa um yakissoba?
- Hum.. aquele que comemos uma vez no restaurante lá na Rua Galvão Bueno?
- Esse mesmo!  Nossa, ele é tão cremoso e tem tanto camarão...
- Para, para, que estou até salivando!
- Então vamos, Cathe, antes que a chuva nos pegue de novo!
Caminhamos da escola até o restaurante. No caminho havia tantas lojas, algumas que não davam para passar despercebidas . Quando entrei em uma delas, o olhei e fiquei com dó. Ele realmente parecia faminto.
- Desculpe, é que não tomei café da manhã. Sai correndo...
- E você está com cara de cansado, né? Balada?, perguntei meio divertida.
- Poxa, antes fosse...fechamento...
- Eu sei que é isso...
- Você também fica tão agitada e demora para pegar no sono?
- Sim, e geralmente me pego assistindo a algum filme antigo na TV para ver se sono chega.
- Oras, sou mais prático...
- O que você faz ?, perguntei curiosa.
- Leio um bom livro chato!
Caímos na risada e já estávamos na porta do restaurante. O almoço foi uma delícia, como sempre a comida oriental sempre me traz sabores, cores e cheiros que nenhuma outra me desperta o apetite e o paladar.
- Hum...sabe o que seria perfeito agora?, ele me perguntou.
Disse rápido e sem pensar muito:
- Um doce!
- Isso!! Perfeito, garota! Além de bonita, você lê mentes.
Só me lembro de ter soltado uma boa gargalhada.
Saímos do restaurante e já ameaçava a chover. No meio do caminho, ela nos pegou desprevenidos. Como não estávamos de guarda-chuva, ele tirou a sua jaqueta e a estendeu como uma tenda sobre nossas cabeças para proteger da chuva. Era divertido correr pela rua e as gotas caindo no rosto.
Assim que chegamos, na padaria na Rua dos Estudantes, ele abriu a porta para eu entrar primeiro.
- Hum... obrigada !, agradeci com uma reverência.
- De nada, desponha, respondeu ele.
Demorou para escolher qual tipo de doce que cada um ia saborear. Também a variedade era tanta e com tanta cor. "Nossa, como amo esse lugar", pensei.
Depois de ter colocados os doces com auxílio do pegador nas bandejas, dirigimos ao caixa.
- Deixa que eu pago. Faço questão!
- Mas você já pagou o almoço, retruquei. E aí o provoquei – Isso parece um encontro.
- É quase isso, respondeu ele com uma piscada de olho.
Subimos para o andar superior e a conversa continuou animada. Fiquei curiosa com aquela bebida estranha que se chamava pobá. E ele saboreava com tanto gosto.
- Parece esquisita, talvez quem inventou realmente curtia filme de ficção científica.
Ele riu e disse:
- Experimenta um pouquinho.
Inclinei a cabeça para descobrir qual o sabor daquela bebida misteriosa. Quando levantei-me fui surpreendida com um beijo.
Não sei quando tempo durou, tanto que perdi o senso de direção e do lugar que estava. Só o que queria era beijá-lo e beijá-lo cada vez mais. O cheiro doce que circulava na padaria, a respiração dele, tudo me deixava meio tonta, meio perdida, mas feliz.
Foi aí que iniciou nosso namoro. Engraçado, nós sempre acreditamos que é aquele homem por quem "cismamos" é o cara da nossa vida, mas mal sabia que o “cara” estava bem ao meu lado . Ele é doce, divertido, companheiro e no fundo, um romântico. E se eu tivesse me tocado antes, com certeza, já teria dado a chance para ele mais cedo.
Nós entendemos em todos os sentidos e muitas vezes um descobre o que o outro está pensando. Lógico, que tivemos que fazer alguns ajustes; relacionamento bom nunca nasce pronto.
Os amigos, parentes, colegas perceberam que nossos modos mudaram e surgiu um brilho nos olhos de cada um que não tinha aparecido antes. E quantas vezes, peguei-me rindo à toa, lembrando algo de engraçado que ele falou ou de uma situação divertida que passamos juntos.
Aquela noite não foi diferente. Estava em pleno fechamento ajudando a Marta a bater as últimas emendas de um texto complicadíssimo sobre negócios. A reportagem estava boa, apesar do assunto superchato, mas tinha tantos erros, que tivemos revê-la  várias vezes.
Um determinado trecho deixou-me confusa, e aí pedi ajuda para o Eduardo. Liguei pelo celular para tirar a dúvida. Ele me explicou de forma bem clara que entendi em poucos segundos, e de uma forma um tanto excêntrica, pegou como exemplo a minha própria vida financeira.
- Prometo que ainda coloco você nos eixos, disse ele rindo.
- Vai ser meio difícil, mas nada como ter um namorado jornalista com especialização em economia.
- Viu? A vida traz sempre algo que precisamos, completou.
- Hum...então ela poderia trazer aquele par de sapatos maravilhoso que vi semana passada...
- Deixa de ser picareta, disse rindo, conheço você. Tá me cantando para comprá-lo, né?
- É...não seria nada mal...
- Mas você é abusada, hein, mocinha? Duvido que ele já esteja aí com você em um pacote dourado daquela loja cara que vimos a semana passada. Aonde já se viu? Você largou a minha mão e foi correndo para a vitrine, mesmo com a loja fechada. Parecia uma criança em uma loja de doces.
Fique assustada. Como ele pode descobrir que eu o tinha comprado com o cartão de crédito? Ele é paranormal?
- Cathe, estou certo que você está com pacote aí?
Olhei apenas com canto dos olhos o pacote dourado encostado na mesa... Meio estupefata disse:
- Caramba, você não deixa escapar nada...
Ele caiu na risada e falou:
- Você é uma perdulária, mas te amo mesmo assim.
Depois que desligamos, olhei de novo para o pacote e comecei a rir. O danado pegava até quando eu aprontava com o cartão de crédito...
- Você está contente hoje...aliás, você tem andando muito contente.

Reviravolta - Parte 5

Doçura

A aula tinha terminado e como de costume era esperada a reunião do pessoal. Mas estranhamente todos furaram, menos ele. Na época não tinha reparado que a intenção era de nos deixar sozinhos. Pensava que era a chuva que os tinha afugentados.
- Então, vamos almoçar? Estou morrendo de fome. Topa um yakissoba?
- Hum.. aquele que comemos uma vez no restaurante lá na Rua Galvão Bueno?
- Esse mesmo!  Nossa, ele é tão cremoso e tem tanto camarão...
- Para, para, que estou até salivando!
- Então vamos, Cathe, antes que a chuva nos pegue de novo!
Caminhamos da escola até o restaurante. No caminho havia tantas lojas, algumas que não davam para passar despercebidas . Quando entrei em uma delas, o olhei e fiquei com dó. Ele realmente parecia faminto.
- Desculpe, é que não tomei café da manhã. Sai correndo...
- E você está com cara de cansado, né? Balada?, perguntei meio divertida.
- Poxa, antes fosse...fechamento...
- Eu sei que é isso...
- Você também fica tão agitada e demora para pegar no sono?
- Sim, e geralmente me pego assistindo a algum filme antigo na TV para ver se sono chega.
- Oras, sou mais prático...
- O que você faz ?, perguntei curiosa.
- Leio um bom livro chato!
Caímos na risada e já estávamos na porta do restaurante. O almoço foi uma delícia, como sempre a comida oriental sempre me traz sabores, cores e cheiros que nenhuma outra me desperta o apetite e o paladar.
- Hum...sabe o que seria perfeito agora?, ele me perguntou.
Disse rápido e sem pensar muito:
- Um doce!
- Isso!! Perfeito, garota! Além de bonita, você lê mentes.
Só me lembro de ter soltado uma boa gargalhada.
Saímos do restaurante e já ameaçava a chover. No meio do caminho, ela nos pegou desprevenidos. Como não estávamos de guarda-chuva, ele tirou a sua jaqueta e a estendeu como uma tenda sobre nossas cabeças para proteger da chuva. Era divertido correr pela rua e as gotas caindo no rosto.
Assim que chegamos, na padaria na Rua dos Estudantes, ele abriu a porta para eu entrar primeiro.
- Hum... obrigada !, agradeci com uma reverência.
- De nada, desponha, respondeu ele.
Demorou para escolher qual tipo de doce que cada um ia saborear. Também a variedade era tanta e com tanta cor. "Nossa, como amo esse lugar", pensei.
Depois de ter colocados os doces com auxílio do pegador nas bandejas, dirigimos ao caixa.
- Deixa que eu pago. Faço questão!
- Mas você já pagou o almoço, retruquei. E aí o provoquei – Isso parece um encontro.
- É quase isso, respondeu ele com uma piscada de olho.
Subimos para o andar superior e a conversa continuou animada. Fiquei curiosa com aquela bebida estranha que se chamava pobá. E ele saboreava com tanto gosto.
- Parece esquisita, talvez quem inventou realmente curtia filme de ficção científica.
Ele riu e disse:
- Experimenta um pouquinho.
Inclinei a cabeça para descobrir qual o sabor daquela bebida misteriosa. Quando levantei-me fui surpreendida com um beijo.
Não sei quando tempo durou, tanto que perdi o senso de direção e do lugar que estava. Só o que queria era beijá-lo e beijá-lo cada vez mais. O cheiro doce que circulava na padaria, a respiração dele, tudo me deixava meio tonta, meio perdida, mas feliz.
Foi aí que iniciou nosso namoro. Engraçado, nós sempre acreditamos que é aquele homem por quem "cismamos" é o cara da nossa vida, mas mal sabia que o “cara” estava bem ao meu lado . Ele é doce, divertido, companheiro e no fundo, um romântico. E se eu tivesse me tocado antes, com certeza, já teria dado a chance para ele mais cedo.
Nós entendemos em todos os sentidos e muitas vezes um descobre o que o outro está pensando. Lógico, que tivemos que fazer alguns ajustes; relacionamento bom nunca nasce pronto.
Os amigos, parentes, colegas perceberam que nossos modos mudaram e surgiu um brilho nos olhos de cada um que não tinha aparecido antes. E quantas vezes, peguei-me rindo à toa, lembrando algo de engraçado que ele falou ou de uma situação divertida que passamos juntos.
Aquela noite não foi diferente. Estava em pleno fechamento ajudando a Marta a bater as últimas emendas de um texto complicadíssimo sobre negócios. A reportagem estava boa, apesar do assunto superchato, mas tinha tantos erros, que tivemos revê-la  várias vezes.
Um determinado trecho deixou-me confusa, e aí pedi ajuda para o Eduardo. Liguei pelo celular para tirar a dúvida. Ele me explicou de forma bem clara que entendi em poucos segundos, e de uma forma um tanto excêntrica, pegou como exemplo a minha própria vida financeira.
- Prometo que ainda coloco você nos eixos, disse ele rindo.
- Vai ser meio difícil, mas nada como ter um namorado jornalista com especialização em economia.
- Viu? A vida traz sempre algo que precisamos, completou.
- Hum...então ela poderia trazer aquele par de sapatos maravilhoso que vi semana passada...
- Deixa de ser picareta, disse rindo, conheço você. Tá me cantando para comprá-lo, né?
- É...não seria nada mal...
- Mas você é abusada, hein, mocinha? Duvido que ele já esteja aí com você em um pacote dourado daquela loja cara que vimos a semana passada. Aonde já se viu? Você largou a minha mão e foi correndo para a vitrine, mesmo com a loja fechada. Parecia uma criança em uma loja de doces.
Fique assustada. Como ele pode descobrir que eu o tinha comprado com o cartão de crédito? Ele é paranormal?
- Cathe, estou certo que você está com pacote aí?
Olhei apenas com canto dos olhos o pacote dourado encostado na mesa... Meio estupefata disse:
- Caramba, você não deixa escapar nada...
Ele caiu na risada e falou:
- Você é uma perdulária, mas te amo mesmo assim.
Depois que desligamos, olhei de novo para o pacote e comecei a rir. O danado pegava até quando eu aprontava com o cartão de crédito...
- Você está contente hoje...aliás, você tem andando muito contente.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Reviravolta - Parte 4

Bálsamo

- Quer ir à Liberdade comigo?
Beatriz, ou simplesmente Bia, é a minha sobrinha mais nova. Alta, magra e cabelos cortados  no mesmo estilo dos personagens de um mangá. Para quem não a conhece, parece tímida, mas é uma garota curiosa, divertida e sempre em busca de novidades.
- Vai!! Vai ficar triste aí?
- O que você vai fazer lá?
- Ah, vou percorrer as lojas para comprar uns detalhes para o meu cosplay, depois vou escolher alguns mangás e no fim vou almoçar... Poxa, faz tempo que não saímos juntas.
Isso era verdade, depois da avalanche, fiquei quieta demais, calada demais.
- Tá bom, vai! Passo aí às 10 horas e vamos.
- Não, deixa que vou até na sua casa.
O domingo estava claro, com temperatura agradável e as lojas começavam a abrir. Já tinha ido ao bairro da Liberdade outras vezes, mas desta vez iria conhecê-lo sob os olhos de uma otome. Otaku/ otome (para as meninas) é uma expressão usada no Japão para definir pessoas viciadas em alguma coisa. No caso da Bia remetia aos mangás e animes, além de ser uma cosplayer. O termo para quem não conhece é a forma que chamam para quem vestem-se como seus personagens preferidos de animes ou mangás.
Entramos em um pequeno shopping, que mais parecia uma galeria com vários andares. A primeira parada foi em uma loja de mangás. Ela percorria o estabelecimento com uma familiaridade que me deixou surpresa. Não sei se foi pela sua empolgação ou pela paixão que ela manipulava aqueles pequenos livros-revistas que comecei a mexer nas coleções das outras prateleiras.
- Quer que te ensine? É assim, você lê de trás para frente. E da direita para esquerda e vai indo.
Diverti-me com o fato de uma ocidental, descendente de portugueses e italianos, sentia-se tão à vontade com aquele jeito que só os japoneses conseguem ler.
Enquanto ela me explicava histórias dos vários mangás, uma publicação me chamou a atenção: “A Princesa e o Cavaleiro”, de Osamu Tezuka.
- Olha !! Assistia a esse desenho quando pequena.
- Sério? Está vendo? Você assistia anime e nem sabia. É que nem o meu pai. Ele falou que adorava ver Speedy Racer. Ué, era outro anime. disse divertindo-se.
E não é que ela estava falando a verdade? Fui tão empolgada que depois acabei me pegando comprando alguns exemplares de “A Princesa e o Cavaleiro”. Foi a partir daí que comecei a me apaixonar por mangás, animes e outras formas da cultura japonesa.
Muitas vezes ia semanalmente ao bairro em busca de novos volumes das mais variadas histórias. Confesso que a princípio atrapalhei-me na leitura que não se podia se chamar de livros...ou tão poucos revistas, mas como a própria senhora que me atendia na busca dessas publicações disse: “esse é o perfil da literatura pop japonesa”. E aí aos pouquinhos um desafio que me despertou um interesse: aprender japonês.
- Japonês?, perguntavam.
- Sim, afinal quem sabe realmente falar por aqui? Aliás, só os descendentes ou as pessoas nativas do país que aqui vivem e olha lá.
Pedi conselhos para os amigos descendentes, procurei anúncios e pesquisei escolas que podiam ser idôneas. E então a achei, no centro do bairro que até então virou a minha segunda casa: a Liberdade.
Realizei a minha matrícula meio apreensiva, empolgada e, confesso, um pouquinho com medo.
E assim foi , em uma quarta-feira à noite comecei o curso. Os horários que escolhi foram às quartas-feiras e aos sábados. Às quartas começava por volta das 19:30 e aos sábados às 10:30 horas.
A primeira aula foi bem diferente e divertida, se dizermos assim... Cheguei à escola por volta das 19 horas. Procurei uma cadeira que ficasse no meio da sala, e não muito perto da janela porque a noite estava fria. Enquanto esperava pelo início das aulas, duas senhoras próximas a mim conversavam animadamente.
Pensava comigo mesma que é sempre estranho iniciar algum projeto que envolve outras pessoas que ainda você não tem intimidade. Não que tivesse dificuldade para fazer amizades, mas o começo é sempre difícil.
Às 19:30 em ponto, o professor, um senhor de 70 anos, adentrou à sala e nos cumprimentou com bastante reverência. Aos poucos percebi que foi uma das melhores decisões que já tomei na minha vida.
Passado 15 minutos, um rapaz chega esbaforido à sala.
- Oyasuminasai !
A cena era engraçada, o rapaz parecia um gigante desajeitado perto do pequeno professor. Com a cara surpresa, sua primeira reação foi sorrir, mas de modo envergonhado.  Afinal, ele tinha consciência do seu atraso (hábito que os orientais não gostam muito). A classe divertiu-se, e o senhorzinho disse:
- Você sabe o que falei?
- Hum..não!
- Boa-noite ! – respondeu sorrindo – Sente-se meu rapaz e seja bem-vindo à aula.
Ele dirigiu-se à mesa vaga ao meu lado e acomodou-se de forma vagarosa como um gato e tentou fazer o mínimo de barulho com as suas coisas.
Não sei explicar, mas de alguma forma ele me encantou. Era alto, magro, os olhos azuis e cabelos bem pretos e ondulados. Era estiloso, não só na maneira de trajar, mas o jeito que se comportava.
Pensei: "Catharina, por favor, foque na aula. Você não quer encrencas, né?"
Mas parecia que elas me perseguiam...
Quando o curso terminou, dirigi-me ao estacionamento. O manobrista entregou-me o carro e quando ia saindo, quase atropelo, por sinal, o mesmo rapaz.
- Desculpas! Tudo bem com você?
- Nossa! Eu que peço desculpas, estou tão distraído hoje, mil perdões.
Deu um sorriso e seguiu até o carro dele.
Aos poucos, percebi que ele era bem participativo e falante durante as aulas . Eduardo era o típico cara desembaraçado que aos poucos conquistou toda a classe, inclusive a mim. Curioso, inteligente, sem dúvida, ele não passava despercebido .
Aos sábados, a turma reunia-se para almoçar em um restaurante japonês em uma galeria e para tomar café o local escolhido era uma padaria na Rua dos Estudantes. Lá, para mim, era o paraíso. Uma variedade de pães e doces que você escolhia, usava o pegador para colocá-los na bandeja, passava no caixa e depois podia deliciar-se.
Em muitas dessas reuniões, ele sempre sentava ao meu lado. No começo pensei que não fosse de propósito. Distraída, mais tarde percebi que era ao contrário. Tentei procurar todos os defeitos que me incomodavam nele, mas quando sorria, toda a minha censura desvanecia.
- Quer provar um pedaço de pão chinês ? Está uma delícia!
- Não, muito obrigada, disse.
- Ah, é que de carne de porco, né? Você não comeria o bichinho que é símbolo do seu time.
Dei uma risada e disse:
- Você é sempre assim? Perde o amigo, mas não perde a piada?
- É... digamos que sim. Mas depende da amiga, eu fico sem graça.
"É isso mesmo que pensei?", perguntei para mim mesma. Mas como ele tem o dom de disfarçar muito bem, desconversou quando tentei entender o “sem graça”. E não é que o maledeto entrou com outra pergunta:
- E aí o que você vai fazer hoje à noite ?, perguntou enquanto tentava cortar o pãozinho com hashi.
- Ah, sabe que não tenho nenhum compromisso para hoje?
Não, não foi eu que respondi isso, mas Matilde, uma moça que era uma gracinha, mas completamente complexada.
Ele olhou para mim e sorriu.
- Depois a gente conversa, falou sussurrando e com esboço de sorriso do lado.
Sim – pensava – ele é muito charmoso, apesar de atrapalhado.
Continuamos a paquera por algum tempo. Trocamos telefone, messenger , adicionamos um ao outro nas redes sociais. Conversávamos bastante, e aos poucos trocamos confidências, mas nem e nem outro teve coragem de confessar os sentimentos.
Era evidente o quanto ele gostava de mim e eu, dele. Talvez por orgulho ou medo da rejeição que nos atrapalhou para formamos um casal em tempo mais curto.
Mas naquele sábado chuvoso tudo aconteceu...

Reviravolta - Parte 4

Bálsamo

- Quer ir à Liberdade comigo?
Beatriz, ou simplesmente Bia, é a minha sobrinha mais nova. Alta, magra e cabelos cortados  no mesmo estilo dos personagens de um mangá. Para quem não a conhece, parece tímida, mas é uma garota curiosa, divertida e sempre em busca de novidades.
- Vai!! Vai ficar triste aí?
- O que você vai fazer lá?
- Ah, vou percorrer as lojas para comprar uns detalhes para o meu cosplay, depois vou escolher alguns mangás e no fim vou almoçar... Poxa, faz tempo que não saímos juntas.
Isso era verdade, depois da avalanche, fiquei quieta demais, calada demais.
- Tá bom, vai! Passo aí às 10 horas e vamos.
- Não, deixa que vou até na sua casa.
O domingo estava claro, com temperatura agradável e as lojas começavam a abrir. Já tinha ido ao bairro da Liberdade outras vezes, mas desta vez iria conhecê-lo sob os olhos de uma otome. Otaku/ otome (para as meninas) é uma expressão usada no Japão para definir pessoas viciadas em alguma coisa. No caso da Bia remetia aos mangás e animes, além de ser uma cosplayer. O termo para quem não conhece é a forma que chamam para quem vestem-se como seus personagens preferidos de animes ou mangás.
Entramos em um pequeno shopping, que mais parecia uma galeria com vários andares. A primeira parada foi em uma loja de mangás. Ela percorria o estabelecimento com uma familiaridade que me deixou surpresa. Não sei se foi pela sua empolgação ou pela paixão que ela manipulava aqueles pequenos livros-revistas que comecei a mexer nas coleções das outras prateleiras.
- Quer que te ensine? É assim, você lê de trás para frente. E da direita para esquerda e vai indo.
Diverti-me com o fato de uma ocidental, descendente de portugueses e italianos, sentia-se tão à vontade com aquele jeito que só os japoneses conseguem ler.
Enquanto ela me explicava histórias dos vários mangás, uma publicação me chamou a atenção: “A Princesa e o Cavaleiro”, de Osamu Tezuka.
- Olha !! Assistia a esse desenho quando pequena.
- Sério? Está vendo? Você assistia anime e nem sabia. É que nem o meu pai. Ele falou que adorava ver Speedy Racer. Ué, era outro anime. disse divertindo-se.
E não é que ela estava falando a verdade? Fui tão empolgada que depois acabei me pegando comprando alguns exemplares de “A Princesa e o Cavaleiro”. Foi a partir daí que comecei a me apaixonar por mangás, animes e outras formas da cultura japonesa.
Muitas vezes ia semanalmente ao bairro em busca de novos volumes das mais variadas histórias. Confesso que a princípio atrapalhei-me na leitura que não se podia se chamar de livros...ou tão poucos revistas, mas como a própria senhora que me atendia na busca dessas publicações disse: “esse é o perfil da literatura pop japonesa”. E aí aos pouquinhos um desafio que me despertou um interesse: aprender japonês.
- Japonês?, perguntavam.
- Sim, afinal quem sabe realmente falar por aqui? Aliás, só os descendentes ou as pessoas nativas do país que aqui vivem e olha lá.
Pedi conselhos para os amigos descendentes, procurei anúncios e pesquisei escolas que podiam ser idôneas. E então a achei, no centro do bairro que até então virou a minha segunda casa: a Liberdade.
Realizei a minha matrícula meio apreensiva, empolgada e, confesso, um pouquinho com medo.
E assim foi , em uma quarta-feira à noite comecei o curso. Os horários que escolhi foram às quartas-feiras e aos sábados. Às quartas começava por volta das 19:30 e aos sábados às 10:30 horas.
A primeira aula foi bem diferente e divertida, se dizermos assim... Cheguei à escola por volta das 19 horas. Procurei uma cadeira que ficasse no meio da sala, e não muito perto da janela porque a noite estava fria. Enquanto esperava pelo início das aulas, duas senhoras próximas a mim conversavam animadamente.
Pensava comigo mesma que é sempre estranho iniciar algum projeto que envolve outras pessoas que ainda você não tem intimidade. Não que tivesse dificuldade para fazer amizades, mas o começo é sempre difícil.
Às 19:30 em ponto, o professor, um senhor de 70 anos, adentrou à sala e nos cumprimentou com bastante reverência. Aos poucos percebi que foi uma das melhores decisões que já tomei na minha vida.
Passado 15 minutos, um rapaz chega esbaforido à sala.
- Oyasuminasai !
A cena era engraçada, o rapaz parecia um gigante desajeitado perto do pequeno professor. Com a cara surpresa, sua primeira reação foi sorrir, mas de modo envergonhado.  Afinal, ele tinha consciência do seu atraso (hábito que os orientais não gostam muito). A classe divertiu-se, e o senhorzinho disse:
- Você sabe o que falei?
- Hum..não!
- Boa-noite ! – respondeu sorrindo – Sente-se meu rapaz e seja bem-vindo à aula.
Ele dirigiu-se à mesa vaga ao meu lado e acomodou-se de forma vagarosa como um gato e tentou fazer o mínimo de barulho com as suas coisas.
Não sei explicar, mas de alguma forma ele me encantou. Era alto, magro, os olhos azuis e cabelos bem pretos e ondulados. Era estiloso, não só na maneira de trajar, mas o jeito que se comportava.
Pensei: "Catharina, por favor, foque na aula. Você não quer encrencas, né?"
Mas parecia que elas me perseguiam...
Quando o curso terminou, dirigi-me ao estacionamento. O manobrista entregou-me o carro e quando ia saindo, quase atropelo, por sinal, o mesmo rapaz.
- Desculpas! Tudo bem com você?
- Nossa! Eu que peço desculpas, estou tão distraído hoje, mil perdões.
Deu um sorriso e seguiu até o carro dele.
Aos poucos, percebi que ele era bem participativo e falante durante as aulas . Eduardo era o típico cara desembaraçado que aos poucos conquistou toda a classe, inclusive a mim. Curioso, inteligente, sem dúvida, ele não passava despercebido .
Aos sábados, a turma reunia-se para almoçar em um restaurante japonês em uma galeria e para tomar café o local escolhido era uma padaria na Rua dos Estudantes. Lá, para mim, era o paraíso. Uma variedade de pães e doces que você escolhia, usava o pegador para colocá-los na bandeja, passava no caixa e depois podia deliciar-se.
Em muitas dessas reuniões, ele sempre sentava ao meu lado. No começo pensei que não fosse de propósito. Distraída, mais tarde percebi que era ao contrário. Tentei procurar todos os defeitos que me incomodavam nele, mas quando sorria, toda a minha censura desvanecia.
- Quer provar um pedaço de pão chinês ? Está uma delícia!
- Não, muito obrigada, disse.
- Ah, é que de carne de porco, né? Você não comeria o bichinho que é símbolo do seu time.
Dei uma risada e disse:
- Você é sempre assim? Perde o amigo, mas não perde a piada?
- É... digamos que sim. Mas depende da amiga, eu fico sem graça.
"É isso mesmo que pensei?", perguntei para mim mesma. Mas como ele tem o dom de disfarçar muito bem, desconversou quando tentei entender o “sem graça”. E não é que o maledeto entrou com outra pergunta:
- E aí o que você vai fazer hoje à noite ?, perguntou enquanto tentava cortar o pãozinho com hashi.
- Ah, sabe que não tenho nenhum compromisso para hoje?
Não, não foi eu que respondi isso, mas Matilde, uma moça que era uma gracinha, mas completamente complexada.
Ele olhou para mim e sorriu.
- Depois a gente conversa, falou sussurrando e com esboço de sorriso do lado.
Sim – pensava – ele é muito charmoso, apesar de atrapalhado.
Continuamos a paquera por algum tempo. Trocamos telefone, messenger , adicionamos um ao outro nas redes sociais. Conversávamos bastante, e aos poucos trocamos confidências, mas nem e nem outro teve coragem de confessar os sentimentos.
Era evidente o quanto ele gostava de mim e eu, dele. Talvez por orgulho ou medo da rejeição que nos atrapalhou para formamos um casal em tempo mais curto.
Mas naquele sábado chuvoso tudo aconteceu...

domingo, 15 de agosto de 2010

Reviravolta - Parte 3

Monstro

A noite estava fria, e o fechamento foi regado a xícaras de chocolate com marshmallow, biscoitinhos de queijo e outras especiarias.
- Tudo por conta da casa, falou Marta.
Como de costume, ele apareceu no final dos trabalhos.
- Tudo certo então? Posso levar o CD ?
- Claro! A prova chega na segunda e damos a última batida aqui, respondeu Marta.
- Ótimo! Agora vão que vocês precisam descansar, disse olhando para mim. E quando reparei, ele  tentou desviar o olhar o mais rápido possível.
O som das inconfundíveis batidas dos saltos altos que aumentavam conforme chegavam à sala atrapalharam o entendimento do resto da conversa entre ele e Marta.
- Boa-noite!
Foi difícil controlar as minhas emoções e a minha feição diante daquela figura. O tom da voz cortante e seco, os cabelos presos em um coque, o olhar superior e o mesmo ar vulgar mesmo vestida em um tailleur... Era ela...Berenice.
Quase me senti desfalecer quando ela pegou no braço de Giovanni, e o olhou de forma lânguida, meio que se oferecesse, lá, na frente de todos.
Ao mesmo tempo, ele parecia sem jeito e evitava me olhar. Eu os encarava apreensiva, assustada, mas o meu olhar era fulminante, cheio de raiva.
Para sair correndo da situação, ele disse em ritmo rápido:
- Bem, antes de tudo muito obrigado pelo trabalho. E desejo a todos, uma ótima noite.
Ótima noite??? Só se for para ele!! . Nunca desejei a morte de alguém como naquele momento! E nunca iria imaginar que ele estava com ela.
No táxi, de volta para casa e ao lado de Marta, tentei disfarçar a voz trêmula, o choro preso na garganta, as olheiras fundas e olhar perdido que focava nos prédios, casas, comércio que eram mal iluminados pela luz fraca dos postes.
- Você está bem?, perguntou Marta com uma voz preocupada
- Sim, disse com um suspiro – Ah, tudo ficará bem... tem que ficar tudo bem...
Os dias que se passaram foram os mais tristes da minha vida. Não me conformava comigo mesma por me sentir tão atraída e apaixonada por ele. Não me conformava sentir o que estava sentindo. Sentia tonturas, talvez pelo esforço que o meu cérebro fazia para procurar as respostas que as perguntas do coração gritavam sem cessar. Tudo inútil. E assim me sentia também: inútil.
Tentei me focar no trabalho, mas como aquele mês não rendia bons frilas, sempre me pegava com o mesmo dilema: "Por quê?" E eram vários porquês...Por que me apaixonei por ele? Por que ele não foi sincero comigo? Por que depositei tanta esperança em algo que não tinha futuro?
Recebi apoio de amigos, sai várias vezes, ia para baladas, me embebedei. Mas foi uma adolescente que me mostrou a saída...

Reviravolta - Parte 3

Monstro

A noite estava fria, e o fechamento foi regado a xícaras de chocolate com marshmallow, biscoitinhos de queijo e outras especiarias.
- Tudo por conta da casa, falou Marta.
Como de costume, ele apareceu no final dos trabalhos.
- Tudo certo então? Posso levar o CD ?
- Claro! A prova chega na segunda e damos a última batida aqui, respondeu Marta.
- Ótimo! Agora vão que vocês precisam descansar, disse olhando para mim. E quando reparei, ele  tentou desviar o olhar o mais rápido possível.
O som das inconfundíveis batidas dos saltos altos que aumentavam conforme chegavam à sala atrapalharam o entendimento do resto da conversa entre ele e Marta.
- Boa-noite!
Foi difícil controlar as minhas emoções e a minha feição diante daquela figura. O tom da voz cortante e seco, os cabelos presos em um coque, o olhar superior e o mesmo ar vulgar mesmo vestida em um tailleur... Era ela...Berenice.
Quase me senti desfalecer quando ela pegou no braço de Giovanni, e o olhou de forma lânguida, meio que se oferecesse, lá, na frente de todos.
Ao mesmo tempo, ele parecia sem jeito e evitava me olhar. Eu os encarava apreensiva, assustada, mas o meu olhar era fulminante, cheio de raiva.
Para sair correndo da situação, ele disse em ritmo rápido:
- Bem, antes de tudo muito obrigado pelo trabalho. E desejo a todos, uma ótima noite.
Ótima noite??? Só se for para ele!! . Nunca desejei a morte de alguém como naquele momento! E nunca iria imaginar que ele estava com ela.
No táxi, de volta para casa e ao lado de Marta, tentei disfarçar a voz trêmula, o choro preso na garganta, as olheiras fundas e olhar perdido que focava nos prédios, casas, comércio que eram mal iluminados pela luz fraca dos postes.
- Você está bem?, perguntou Marta com uma voz preocupada
- Sim, disse com um suspiro – Ah, tudo ficará bem... tem que ficar tudo bem...
Os dias que se passaram foram os mais tristes da minha vida. Não me conformava comigo mesma por me sentir tão atraída e apaixonada por ele. Não me conformava sentir o que estava sentindo. Sentia tonturas, talvez pelo esforço que o meu cérebro fazia para procurar as respostas que as perguntas do coração gritavam sem cessar. Tudo inútil. E assim me sentia também: inútil.
Tentei me focar no trabalho, mas como aquele mês não rendia bons frilas, sempre me pegava com o mesmo dilema: "Por quê?" E eram vários porquês...Por que me apaixonei por ele? Por que ele não foi sincero comigo? Por que depositei tanta esperança em algo que não tinha futuro?
Recebi apoio de amigos, sai várias vezes, ia para baladas, me embebedei. Mas foi uma adolescente que me mostrou a saída...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Reviravolta - Parte 2

Acaso

Mesmo trabalhando como uma repórter freelancer fixa em uma revista de cultura, as contas continuavam chegando e o cartão de crédito estava prestes a estourar. Não tive outra alternativa, procurei mais freelancers para fazer. Entrei em contato com o meu networking para ver se conseguia algum trabalho em reportagens ou mesmo de revisão
- Olha, Kika, acredito que posso ajudá-la, disse Daisy. Mas é frila na área de farmácia. Você toparia?
- Claro que topo, respondi sem hesitar.
- Beleza, como está a sua quinta?
- Hum...meio lotadinha, preciso entregar duas matérias e tenho uma entrevista com um figurão da música.
- Então deixamos para sexta? Vou estar em fechamento, mas fica fria que aviso a Marta que você irá lá. Ela é gente finíssima. Uma das melhores editoras-chefes que já trabalhei.
- Oba, Daisy!! Que horas então?
- Pode ser às 14:30 hs?
- Combinado! Me passa o endereço!
No dia marcado, cheguei na editora mais cedo do que previsto. Na recepção, fui atendida por uma moça simpática que anunciou a minha chegada à editora-chefe. Sentei-me em um sofá macio e logo peguei uma revista para conhecer mais sobre as publicações, mesmo tendo visitado o site da empresa.
Quando o vi, mal podia acreditar em meus próprios olhos. Lá estava ele, na minha frente, ou melhor, na revista. A foto mostrava um homem sorridente, com alguns cabelos grisalhos que davam um charme ainda maior à sua figura. Realmente, além de bonito, ele era fotogênico. Giovanni era o presidente da empresa e, por sinal, assinava o editorial.
Mas a minha atenção foi atrapalhada pelos barulhos dos saltos de um sapato que tinha um andar persistente e confiante. Levantei meus olhos e assim a vi pela primeira vez, uma mulher magra, alta e de cabelos negros e bem lisos. Tinha olhos sorrateiros e ar triunfante. Tão bonita, quanto antipática. Bem-maquiada e vestida, mas parecia que não saber combinar muito bem as cores.
- Onde está a minha correspondência ? Você checou que horas sai o meu voo ? Ah, sim, por favor, traga água sem gás, e sem gelo, disse enquanto caminhava para a escada. -  E não esqueça de colocar uma rodela de limão, porque você esqueceu de fazer isso a última vez!!!!
A única resposta que escutava da recepcionista, era “sim, senhora”, “sim, senhora”.
Mais tarde fui saber que seu nome era Berenice, a advogada da empresa e possuía algumas ações da editora. Parecia que ela tinha muita influência e algo que ela escondia de forma escusa, o que colaborava para produção de vários boatos.
Foi um alívio ouvir a voz de Marta, muito diferente de Berenice: calma, profissional e sincera. Elogiou os meus textos e disse que conhecia um pouco do meu trabalho. Feito os tratos iniciais comecei a fazer as matérias, até que chegou o período de fechamento. E Marta  pediu-me para ajudá-la, que mais tarde soube que era um costume recorrente com as repórteres e assistentes mais aplicadas.
Lá estava eu, em uma sexta-feira à noite, ajudando a bater as últimas emendas dos textos juntamente com a revisora, enquanto auxiliava os retoques finais com o pessoal da arte.
Estava tentando achar uma nota que coubesse em um vazio de uma matéria sobre um congresso odontológico e foi aí que escutei uma voz inconfundível...
- Boa-noite!! Tudo bem por aqui ?
Levantei os olhos e o vi encarando-me surpreso. A papelada em cima da mesa, o computador com mil janelas abertas, a xícara com resto do chá (detesto café), as olheiras denunciando o quanto estava enlouquecida e envolvida com o trabalho.
- Nossa !! Não esperava por isso nem mil anos!!, disse rindo. Tudo bem com você ? Menos brava comigo? - indagou Giovanni.
Ainda com rosto quente e com coração aos pulos, respondi sem jeito:
- Pois é, a Marta  chamou-me para ajudá-la.
- Isso mostra que ela realmente gosta de você e de seu trabalho. Não é mesmo Marta ?, perguntou com a cabeça voltada para editora-chefe. E ele continuou: -  Como chegou até aqui ?
- Foi a Daisy quem me indicou, uma das repórteres da revista de farmácia.
- Ah, a Daisy !! Aquela maluquinha, Marta, que adora fazer piadas de são paulino ?
- Essa mesmo. Ela é um barato !, respondeu Marta, mas com olha de interrogação como pensasse: “ De onde eles se conhecem?”.
Parecendo adivinhar os pensamentos dela, Giovanni explicou sobre o acidente.
Mais tarde, ele retornou à redação para levar o CD que continha todos os arquivos prontos para rodar na gráfica.
Mas antes de sair, ele disse:
- Fico feliz por saber que você não vai desaparecer – e saiu.
Quando dei-me conta, o meu rosto ficou rubro. E pensei: "não posso ter me apaixonado assim.." Primeiro, que nós se conhecemos em uma situação tão inusitada e segundo, bem..segundo, que no fundo, ele era meu chefe. Retornei para casa de táxi com pessoal da redação, que foi dividida em duas turmas, dependendo da região que morava.
Voltei no mesmo carro com a Marta e vi-me quase a indagando sobre ele, mas segurei-me da forma mais forte que podia, qualquer meio de fazer perguntas sobre sua vida pessoal.
Agitada, cheguei em casa e o procurei nas redes sociais. Lá estava ele. Olhei todo o perfil e confesso que fiquei aliviada quando vi o status de solteiro. Sem pensar muito o chamei para ser meu amigo. E no dia seguinte, para minha surpresa, quando checava meus emails, ele tinha aceitado.
A partir daí, “o vigiava” diariamente. Algumas vezes, ele comentou meus vídeos favoritos, minhas fotos. Tudo com muita educação, um pouco de humor, mas nada de intimidade.
E os dias foram passando. Foi aí que reparei uma loura que muitas vezes conversava com ele ou mesmo deixava recados “engraçadinhos”. A minha primeira reação foi ter ciúmes! Larissa era mais nova que eu, mais bonita, mais magra. Um estilo de modelo, cara de cosmopolita, mas vivia no interior da cidade de São Paulo. Pensava: "Será que no fim eles estão se paquerando ? E se eles começaram a namorar ?". Quando pensava nessa possibilidade todo o meu corpo se retorcia de repulsa, raiva e rancor.
Mas o mundo desmoronou quando em uma manhã fria de domingo, o status dele mudou para “namorando”. Ótimo!!! – pensei: Era tudo que eu não queria!!!. Comecei a chorar e perguntei-me o que estava acontecendo comigo. Mas tive que admitir, estava apaixonada por ele.
Pensei: "Mas quem poderia ser ??". Só devia ser a loura que tanto aparecia nos recados...
Apesar disso, tentava achar uma justificativa que aquilo era apenas para afastar alguma intrusa, maluca. Será que estou invadindo a vida dele ? Será que sou eu a pessoa que ele quer despistar ? Meu estômago doía, a minha cabeça latejava. E os dias que seguiram foram cruéis... A dúvida... sempre ela aparecia e reaparecia... a dúvida...
Mas a resposta veio naquela última sexta-feira do mês, em um fechamento que apesar me rendeu algum dinheiro, também me trouxe uma grande decepção.