segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Tatiana Belinky, a maga das palavras

O dia estava ensolarado. Chegamos por volta das 11 horas no bairro do Pacaembu. A casa é grande, arejada e quem nos recepciona é Josefa, a empregada. Enquanto isso, um gato curioso vem em nosso encontro. Josefa nos leva à sala e lá está ela: sentada, rodeada de livros, canetas e bloquinhos. Seu nome? Tatiana Belinky. Nascida em 18 de março de 1919, na Rússia, veio para o Brasil aos 10 anos. Começou sua carreira como tradutora na década de 40 e foi a pioneira na adaptação para televisão do “Sítio do Pica Pau Amarelo”, obra de Monteiro Lobato.
Tatiana nos oferece um cálice de vinho do porto, enquanto um dos seus gatos deita preguiçosamente no sofá. Esta simpática senhora de 89 anos não se leva a sério, tanto que em uma das suas rimas brinca com próprios defeitos: “Sou meio maneta, meia surdeta e um pouco cegueta”. “Supero as diversidades com bom humor”, comenta Tatiana. Ela nos conta que no meio de uma discussão, seu filho André falou irritado: “Ah, mãe! Não dá para discutir com você! Nunca sabemos quando você está falando sério!”. Ela respondeu: ”André, você nunca percebeu que estou mais séria quando estou brincado?”.
 
Suas paixões são gatos, bruxas e café. Por falar em café, Tatiana o defende do mito que é uma bebida estimulante e dificulta a chegada do sono: ”Quando estou com insônia levanto para fazer um cafezinho. Vou criando rimas, brincando. E assim pensando, pensando, acabo adormecendo”. Ela nos revela que tem sonhos coloridos, bem vivos:” Sonho com pessoas que nunca conheci lugares que não estive. Posso acordar no meio da noite e quando volto a dormir continuo sonhando exatamente no ponto que o sonho parou”.
 
Quanto às bruxas, Tatiana gostaria de ser uma, tanto que em sua casa há várias bruxinhas, inclusive no seu escritório. Uma delas solta uma gargalhada assustadora e seus olhos brilham ao mesmo tempo. “Ah, bruxa pode tudo! Ser bonita, feia e mostrar a língua! Em Portugal, havia uma rainha que se chamava Urraca. Quer nome mais de bruxa que Urruca?”, nos pergunta.

Tatiana lê três livros ao mesmo tempo: “Afinal, sou uma a cada hora: triste, feliz, alegre”. E continua: “Os livros podem multiplicar-se em vários. Quando você lê um livro hoje e depois de um tempo, releia-o de novo. Você verá que será um ‘outro’ livro, porque você está com outra visão”.

Indagada qual o seu doce preferido, ela responde: ”As crianças”. Mas doce propriamente dito, seus preferidos são quindim, mil folhas e strudel... ”Mas, não aprecio chocolate”. A pergunta é imediata: “Mas por quê?”. “Oras, gosto não se discute”, responde. Em falar em gosto, Tatiana acredita que as crianças apreciam muito mais aprender do que estudar. “Quer coisas mais chatas que estudar o que é uma oxítona, proparoxítona, como fazer análise? A criança aprende muito mais com um livro”.

Sua palavra predileta na Língua Portuguesa é "Alívio". “Muitos falam que a palavra mais bonita em Português é "Saudades". Ora, ela pode ser amarga, triste, doída. Mas Alívio? Alívio de qualquer coisa é bom. Quer algo mais gostoso quando você tira aqueles sapatos apertados ou desliga o telefone depois de ter conversado com aquela pessoa chata? Acho uma palavra tão bonita que poderia ser adotada como nome próprio. Já pensou em colocar o nome de seu filho de Alívio?”, se diverte.

Nenhum comentário: